"A ti me entreguei desde o meu nascimento; desde o ventre de minha mãe, tu és meu Deus." Salmo 22.10
Quatro de maio de 2012. Sexta-feira de sol. Casa cheia: de pessoas, de presentes, de expectativa. Tudo preparado. Algumas coisas de última hora, mas, enfim, tudo pronto!
Fomos todos para São Paulo em dois carros. O parto foi na Maternidade Pro Matre e estava marcado para às 13h00.
Lá também já estava tudo preparado e o parto seria realizado numa daquelas salas onde é possível os familiares e amigos acompanharem por um visor grande de vidro. Nessa hora tudo volta à memória, os partos da Beka em Indaiatuba-SP e do Pedro, que também foi na Pro Matre, com a mesma obstetra, Dra. Solange Aparecida Monteiro, uma pessoa muito capacitada e que se tornou muito próxima.
Conforme vou descrevendo, consigo sentir novamente as sensações daquele dia e, honestamente, achei que seria mais fácil escrever sobre isso.
Fomos para a sala de parto. O Fábio seria chamado pela equipe no momento mais adequado. Enquanto isso, eles foram conversando comigo, me deixando mais à vontade. As primeiras lágrimas desceram antes de Stella chegar.
Enfim, o Fábio entrou, com aquele jeitinho especial dele, me confortando, me deu um beijinho, sentou-se ao meu lado. De mãos dadas esperamos ansiosos para ver o rostinho da nossa caçula.
Eu estava preocupada com o tamanho da cabecinha dela, já que os ventrículos estavam aumentados em 19mm. Aaaahhhh! Meu coração estava apertado por ela.
E às 13h51min ela finalmente nasceu! Choro forte! Aquele chorinho que a gente nunca mais esquece. Nasceu bem parecida com os meninos, pesando 2.740g e medindo 47cm. E a trouxeram para mim, aquela menininha chorona e eu chorei junto, porque ela era um bebê simplesmente lindo! Eu chorava e dizia: "Ela é linda! Ela é linda!" E não me cansava de repetir o quanto ela era linda! Como os outros dois quando nasceram, era bem branquinha, chegava a ser rosada! Os traços tão delicados, olhinhos fechados ainda, mas eram os olhinhos da mamãe, como os outros dois. Quando eu a vi pela primeira vez, naquele instante em que eles a colocaram bem perto do meu rosto, quando ela escutou a minha voz e assim, instantaneamente parou de chorar, neste momento em que pude somente pela minha voz fazê-la se sentir segura, se acalmar... ah! O tempo parou naquele instante! Nada mais importava. Nada era mais importante do que aquele rostinho colado ao meu. Aquela paz que sentimos juntas tenho até hoje gravada em minhas lembranças mais preciosas. Tenho certeza que ela também. É exatamente a mesma sensação de quando Beka e Pedro nasceram. Algumas coisas a gente nunca mais esquece.
Dra. Solange disse que a tinta havia acabado mesmo, porque não parecia ruiva. Tinha os cabelos mais escuros. Papai discordou e disse que era ruiva sim. Eu só sabia olhar pra ela e ver o quanto era lindo o meu bebê e como chorava alto. Apgar 9 e 10! Chegou chegando!
Estava tão emocionada que esqueci de respirar direito e me sedaram. Quando acordei, eu já estava sozinha na sala, com uma enfermeira que me levaria ao quarto pós-operatório. Ali eu deveria permanecer por aproximadamente 4 horas, até começar a recuperar os movimentos dos pés e pernas.
Devo dizer que essa, pra mim, é a pior parte de uma cesárea, porque você fica numa sala isolada todo esse tempo, enquanto sua maior vontade é de VER seu bebê, pegar no colo, sentir o cheirinho. A hora não passa!
Enfim, meus pés começaram a se mexer novamente e imediatamente avisei a enfermeira. Na verdade, meus pés queriam correr!
Microftalmia
O parto foi no começo da tarde e, levando em consideração o tempo de cirurgia e o pós-operatório, eu só fui chegar ao quarto realmente, no final da tarde. Após eu chegar, as enfermeiras trouxeram Stellinha para finalmente ficar comigo. Lá também estavam meus pais, minha sogra, minha irmã Tati. Pedro e Beka também estavam lá e receberam muito bem a chegada da irmã. Estavam todos alegres conosco! Era uma celebração!
Lembro que peguei Stella e ela estava de olhos fechados, dormindo. Eu não notei nada de diferente. Recordo de segurar aquele pacotinho e ficar admirando seu rostinho. Coloquei-a no bercinho, era a minha terceira cesárea e naturalmente eu estava com dor.
Já era noite quando ela acordou e então vi algo diferente nos seus olhinhos. Eles não pareciam iguais. O esquerdo parecia mais fechadinho que o direito. Tentei abrir de leve, mas fiquei com medo de machucar. Pensei: " Deve estar com alguma secreção, um pouco irritado, depois ele abrirá".
Meu cunhado Bruno e sua esposa Laura chegaram e eu me senti tão reconfortada pela presença deles! Queria mostrar ao Bruno como ela parecia bem e queria que ele visse seus olhinhos. Ele, que acompanhou toda a gravidez tanto como amigo quanto médico, agora poderia ver o seu estado. Até então, nenhum médico do hospital havia vindo nos dizer nada sobre isso, o que me deixou com a impressão de não ser nada preocupante.
As conversas me distraíram bastante, a presença da Rebekah e do Pedro e a forma como eles reagiam à chegada da Stella também ocupou muito da minha atenção. Nesse clima, notei quando o Bruno observava os olhinhos da Stella, com um olhar mais atencioso. Fui até o berço e o questionei sobre isso. Mas ele não me deu muitos detalhes e quando eu perguntei se poderia ser por causa de alguma irritação, ele concordou comigo. Pensei quieta: " Amanhã deverá estar melhor" e foi isso.
Já no outro dia, seu olhinho esquerdo continuou da mesma forma. Então comecei a me preocupar realmente. Stella só foi mamar de madrugada, mas parecia bem. Comecei a questionar todos os médicos que íam ao quarto. Eu só escutava coisas, como "Pode ser inchaço", "Às vezes é por causa da posição no útero"... ninguém me respondia o que era e eu comecei a me irritar com essas respostas evasivas.
No segundo dia de internação, já bastante irritada, pedi a presença de um neurologista para avaliar Stella, além de um oftalmologista. À essa altura, o clima já era bem pesado, eu sabia que havia algo a mais de errado com minha filha, mas não sabia o que era e nem a dimensão daquilo.
Logo pela manhã do dia seguinte, a enfermeira buscou Stella no quarto para avaliação do oftalmo, e do quarto mesmo, eu acompanhei pela TV todo o procedimento.
O clima no quarto foi ficando bastante tenso. Fabio e eu não sabíamos o que esperar dos resultados. Numa das vindas rotineiras do pediatra ao quarto, falou-se em Síndrome de Charge, ou Seqüência de Charge. Corremos para a internet, consultamos o Bruno, que já não estava mais conosco, e que discordou dessa suspeita. Mais tarde, Charge foi descartada.
Para poupar os meninos de toda a tensão, por vezes meus pais os levavam para passear pela cidade, outras vezes, enquanto estavam no quarto, Fábio e eu íamos dar voltas pelos corredores. Quantas lágrimas, suspiros e abraços aqueles corredores presenciaram!
Já à noite, o Dr. Sérgio Cavalheiro, neurocirurgião, veio falar comigo após avaliar minha filha. Resumindo, falou sobre a ACC e como aquilo poderia ou não afetar a vida dela e me deu seu cartão, para darmos continuidade ao tratamento com ele. Disse que ela precisaria num primeiro momento fazer uma Ressonância Magnética (RM) para ter certeza que o líquido no interior do seu cérebro não estava aumentando de volume, a ponto de fazer pressão sobre o cérebro.
Após a visita do neuro, Fabio precisou voltar para casa para levar as crianças para dormir. O dia para elas no Hospital era bem cansativo, não havia muito o que fazer. Saiu o neuro e eu estava ansiosa pela visita do oftalmo, mas ele não vinha. Quando a enfermeira veio até o quarto buscar Stella para dar banho, perguntei se ele não viria conversar comigo, afinal, o dia havia passado sem que me dessem retorno sobre a avaliação dele. E a enfermeira, bastante solícita, se dispôs a conversar com ele. Minha mãe estava comigo, ela dormiu comigo no Hospital todos os dias, enquanto Fábio dormia dom as crianças em casa, foi essa a maneira que encontramos pra que não se sentissem "abandonados".
Conforme avanço, às vezes, preciso dar uma pausa e respirar, porque não é nada fácil relembrar...
Enfim, entra no quarto um homem sério, alto e magro, cabelos escuros, olhos tristes, cabisbaixo. Se apresentou, era o oftalmologista. Minha mãe estava sentada no sofá, que ficava ao lado da minha cama. Ele de frente pra mim, uma figura esguia. Lembro de ter pensado que permaneceria forte, independente do que ele dissesse, não queria chorar. Meu coração estava esperançoso, mas não durou muito tempo. Voz baixa... não havia muito o que falar: Stella tinha sérios problemas na visão dos dois olhinhos e provavelmente não enxergaria com nenhum deles muito bem. O esquerdo, além da microftalmia, tinha descolamento na retina e o nervo óptico era mal-formado. Este, certamente estava muito condenado. O direito, de tamanho normal, também estava afetado em seu nervo óptico. Ele falou alguns termos técnicos. Não entendi nada. Segurei as lágrimas o máximo que pude. Mas, então, elas escaparam. Minha força se esvaiu. Ele saiu do quarto, sem mesmo me dar seu cartão. A minha dor era como um soco no coração. Cada vez que ele pulsava, doía mais.
Minha mãe tentou dizer alguma coisa, eu a interrompi e pedi que naquele momento só me deixasse chorar. E ela chorou comigo. E de lembrar, as lágrimas voltam...
Levantei da cama, fui até o banheiro lavar o rosto. Lá, tentei iniciar uma oração. As palavras não vinham. Eu não consegui formar uma frase. Não consegui pedir nada, não conseguia pensar nada, dizer nada. Estava anulada. Um sentimento esmagador de vazio.
Voltei para minha cama e chorei. Chorei copiosamente, chorei doloridamente, dor dilacerada, rasgada no meu peito, dor que eu nunca havia imaginado existir. E na minha cabeça os pensamentos se atropelavam, eu perguntava à minha mãe entre soluços: "Então, eu nunca vou poder levar a minha filha num zoológico, porque ela não vai nem conseguir ver a girafa?", "Ela não vai poder ver o pôr-do-sol, as coisas lindas que Deus criou?", "Ela não vai poder se ver no espelho?"', "Ela não vai poder me ver, não vai me olhar nos olhos?"
Eu sabia que o olhinho era menor, mas na minha ignorância, quem sabe, naquela esperança insistente, eu realmente imaginava que ela enxergaria normalmente. Era apenas menor, apenas uma preocupação estética, mas ela poderia enxergar com ele, pois era funcional. Nem passou pela minha cabeça que poderia ser algo que a prejudicasse tanto! E o olho direito, de tamanho normal, então, pra mim era completamente perfeito.
Aaaahh!!! Era um golpe duro demais!
Você começa a pensar que de alguma forma é culpada por aquilo tudo, afinal, ela estava dentro de mim. Fui eu quem a carregou durante a gestação, eu pensava que deveria ter feito alguma coisa que a tivesse prejudicado daquela forma.
Você se sente pequeno e incapaz e aquele preparo todo que eu pensava ter, agora não sentia mais.
Eu me perguntava: "Como eu poderia ter gerado uma criança com tantos problemas e problemas tão sérios, se eu já havia gerado dois completamente normais?", "O que eu fiz ou deveria ter deixado de fazer pra que não tivesse acontecido isso?", "Em que momento isso aconteceu dentro de mim, o que eu fiz neste dia?" É enlouquecedor! É devastador! Desde a primeira vez que algo errado havia sido visto lá atrás, na minha gravidez, até este momento, certamente, este foi o pior momento que eu vivi. Foi a dor mais doída de todas. Eu me senti nada. Esmagada. Destroçada. Impotente. Sem esperança.
Um sopro de ânimo: Quando Ele veio falar comigo
Após a saída do oftalmo do quarto, foi a vez da geneticista. Ao me ver chorando, me perguntou o que estava acontecendo. Respondi que todo mundo que entrava no meu quarto era só pra me dar notícias ruins.
Ela se sentou à minha frente, notoriamente compadecida e falou comigo calmamente sobre o caso da Stella do ponto de vista genético.
Stella faria um cariótipo. Ela havia feito um ainda na minha barriga, mas a Dra. achou que seria melhor repetir o exame. Falou em algumas possíveis síndromes, entre elas Aicardi. Mas eram somente hipóteses e faltavam muitas peças nesse quebra-cabeça. A priori, ela já estava bem contente porque Stellinha estava mamando muito bem. Glória a Deus!
Quando ela saiu do quarto, eu e minha mãe ficamos conversando sobre tudo aquilo. Liguei para o Fábio, que já tinha chegado em casa e percebi que ele ficou bastante abalado. Assim como eu, ele também tinha muitas esperanças e quando as esperanças vão embora, a gente perde o chão.
Passou-se um bom tempo e então entrou no quarto aquela enfermeira que tinha vindo buscar Stella para o banho. Ela estava trazendo minha filhotinha limpa, cheirosinha, linda! Me perguntou se o oftalmo havia vindo me ver. Respondi que sim e perguntei: "Você viu o que ele disse?" Ela me respondeu negativamente com a cabeça e então, eu comecei a dizer o diagnóstico dele para Stella.
Lembro daquela figura em frente a porta, de roupa branca, pronta para sair do quarto, me escutando atentamente. Quando eu terminei de falar, deitada em minha cama, ela continuou me olhando firmemente e disse com propriedade e pausadamente: "Essa é a palavra do homem, mas a Palavra final não vem do homem, a Palavra final vem de Deus. E se você crer e orar e confiar, o Senhor vai mudar a história da Stellinha. Ele é o Senhor da vida." E me perguntou: "Você crê? Porque eu creio!"
Oh, Deus... Quando eu não podia mais ouvir a voz do Senhor, quando a minha dor gritava, quando eu não consegui mais dobrar meus joelhos e orar ao meu Deus, quando eu me senti sozinha, desamparada, quando eu perdi meu chão, quando Deus me pareceu tão, mas tão distante que eu não conseguia alcançar, quando eu nem conseguia mais olhar pra Ele em meio a todo aquele tormento, Ele então, entrou no meu quarto, como que pessoalmente, e falou comigo.
Naquela noite, a Glória e a presença dEle preencheram o meu quarto. O cuidado e o zelo dEle ficaram evidentes para mim: "Vê? Percebe? Você não está sozinha. Vocês não estão sozinhos. Eu estou aqui. Eu vejo vocês. Você não conseguiu mais ouvir a minha voz, você não conseguiu se lembrar de tudo aquilo que eu sempre falei pra você. Há tanto tempo te ensino sobre mim, mas hoje você não se lembrou de quem Eu sou, então eu vim até aqui, pra te fazer ouvir a minha voz. Vim pra que vc soubesse que Eu estou a frente disso tudo. Eu sou o Senhor dessa história. Foi pra que você não se esquecesse que Eu vim até você nesta noite. Não tenha medo".
E a culpa foi embora. Eu entendi naquele momento que nada daquilo dependia de mim. Havia um propósito. Havia o meu Senhor comandando de perto cada detalhe. E fosse o que fosse, doesse como doesse, Ele estava comigo e nada fugia dos Seus planos, porque nenhum dos Seus planos são frustrados. Deus não comete erros. Aleluia! Esse é o Deus a quem eu sirvo. Deus de perto!
"Isto, vos tenho um dito, estando ainda convosco;
mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e VOS FARÁ LEMBRAR DE TUDO O QUE VOS TENHO DITO.
Deixo-vos a paz, A MINHA PAZ VOS DOU; não a dou como o mundo dá;
Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize."
João 14. 25-27